O Cosmopolita #6 - Por que geopolítica?

Visões de quem estuda e vive o tema

Saudações!

“Por que geopolítica?” foi o questionamento que eu fiz para cada um dos estudiosos e interessados na área que eu conversei para construir mais essa newsletter, de jornalistas à comandantes da marinha, podemos através de visões diferentes ressaltar a importância do entendimento sobre o tema.

A democratização do debate político

Eduardo Mota, jornalista e criador do podcast “GeoCidade” destaca o impacto que as relações entre os países tem no dia a dia ressalta a importância de democratizar o acesso à esses temas para preparar a população para discutir esses assuntos.

“Ter um canal de informação, um meio de comunicação que trate desse assunto de uma maneira racional, uma maneira sadia, é importante para agregar conhecimento para a população.”

“Atualmente a gente vive em um mundo que as relações entre governos tem tido um impacto muito grande internamente […] então não dá pra ficar alheio com as coisas que acontecem no mundo.”

A geopolítica inserida no debate público

Wallace Rosa, pesquisador das ciências da linguagem e co-host do GeoCidade, aponta a falta de conhecimento acerca dessas questões e como isso faz com que o debate público deixe de ser pautado pela população.

“Essa cegueira em relação a política internacional, ela causa um açodamento do debate público, e o debate público é construído pela população. Não são os políticos ou não deveriam ser os políticos a sugerir as necessidades da população, e o que ta acontecendo é isso, o pessoal tá, de certa forma caindo, no conto da torcida, torcendo por políticos e deixando de avaliar as ideias.”

“Tem diversas decisões em termos de geopolítica e política nacional que influem diretamente no nosso dia a dia, como o BRICS, a recusa da ALCA, a questão do livre comércio com a União europeia, e como isso vai influenciar na nossa economia, Então esses são alguns temas que deveriam ser considerados no debate público.”

Como o poder se propaga no espaço

Eduardo Navarro, pesquisador do Centro de Estudos em Direito do Mar - USP, reforça o entendimento da geopolítica como uma ciência e o como ela foi se confundindo com a política internacional e a estratégia militar, passando por um processo de esvaziamento de sentido.

“A grande sacada da geopolítica, isso é uma frase do Prof. Pedro Correia - autor de Manual de Geopolítica e Geoestratégia -, é que houve uma perda de sentido semântico. Alguns tem a geopolítica à um nível de notícia, outros vão ligar o tema à um método específico de conduzir um país.”

“Não é sobre acompanhar as notícias do mundo ou sobre discutir estratégia militar […] tem que ser solidificada a percepção que geopolítica é uma ciência autônoma que busca a compreensão de como o poder se propaga no espaço, de analisar esse poder como um fator geográfico.”

Trazendo para os dias de hoje, o pesquisador aponta o exemplo da disputa entre Venezuela e Guiana.

“A geopolítica não vai servir para você entender o que a Venezuela quer na Guiana ou como ela vai conseguir a Guiana, mas pra você conseguir entender porque a Venezuela, na posição que ela está, quer a Guiana, entende? É uma questão de observar os fatores geográficos e a partir da observação dos fatores geográficos você entender quais são os objetivos de um Estado.”

“Ai geopolítica deixa de ser política internacional, deixa de ser estratégia militar, ela tem um objetivo próprio. Kenneth Waltz afirma que política internacional não é ciência, política internacional é arte, você não consegue prever o que vai acontecer, mas com a geopolítica, você entende o porquê

“Entender as relações geopolíticas é romper com o nosso atraso”

Comandante Robinson Farinazzo, oficial da reserva da Marinha do Brasil, escritor, político e criador do canal “Arte da Guerra”, considera o tema de vital importância para o desenvolvimento nacional e um caminho para a melhora do país.

“A importância do entendimento das relações geopolíticas por parte do Brasil significa romper com o nosso atraso. A partir do momento que boa parte da sociedade entender como funciona a geopolítica, como são complexas suas relações e como elas determinam o nosso desenvolvimento, nós vamos nos libertar dos grilhões do atraso e conseguir uma melhoria nas condições sociais do nosso povo.“

“São as decisões geopolíticas amplamente amparadas pela sociedade brasileira que nos guiarão a dias melhores. O Brasil precisa entender o mundo para melhor buscar seus interesses.”

Uma entrevista especial para compensar o meu atraso

Como eu já havia prometido há muito tempo para vocês que iria sair essa grande reportagem, eu não podia deixar de trazer um extra para valer a pena a espera.

Segue abaixo uma entrevista curta que eu fiz com o capitão-de-fragata da reserva da Marinha do Brasil, Comandante Robinson Farinazzo.

“O governo deu um foco importante para a política externa no começo desta gestão e o tema entrou em evidência no cotidiano. Qual a importância de reconstruir a política externa brasileira?”

Farinazzo: “A política externa que determina os alinhamentos, as relações comerciais, as alianças que um país vai fazer em função dos seus interesses nacionais.

A política externa precisa estar fundamentalmente alinhada com os anseios e as aspirações de um país, e essas aspirações precisam estar muito bem explicadas para a sociedade. A sociedade precisa entender qual é o sentido da política externa para que possa apoiá-la.

Só uma política externa eficiente, que busque os reais interesses do Brasil, vai nos levar ao desenvolvimento

“Qual o papel do Brasil no mundo hoje?”

Farinazzo: “Hoje, em 2023, ele está bem abaixo das potencialidades. O Brasil tem condições de alimentar uma boa parte do planeta, tem condições de mediar tratados de paz, o Brasil consegue conversar com os dois blocos geopolíticos que estão se formando, enfim, é um país que tem condições de contribuir muito para o avanço da humanidade. Nós precisamos recuperar o tempo que foi perdido nos últimos anos nesse sentido e voltar a buscar nosso papel e nosso valor neste novo “mundo multipolar” que está se desenhando, no qual, o Brasil tem condições de se destacar bastante.”

“Hoje nós vemos um crescimento do BRICs dentro do cenário geopolítico e um equilíbrio na balança de poder. Nos próximos anos podemos ter uma mudança nos grandes players globais?”

Farinazzo: “Nós não vamos ter uma mudança nos grandes players globais nos próximos anos, nós já tivemos uma do ano passado pra cá. Os Estados Unidos era o ator principal do mundo, atuava isolado na ribalta, mas agora ele tem grandes coadjuvantes do lado dele.

Tem a China, não tenha dúvida disso, tá? Os Estados Unidos está começando a virar coadjuvante da China. Tem a Rússia, que voltou ao palco, antes estava afastado, mas voltou. A Índia pedindo pra entrar, o Brasil também e diversos outros países.

O cenário geopolítico mudou radicalmente, eu não acho que ele vá reverter ao pré-2022.

O dólar tende a perder força, entidades como a ONU, o Tratado Penal Internacional, a Organização Mundial do Comércio, o FMI, eles estão sendo questionado em virtude de não atenderem os países do chamado “Sul Global”. Eu não tenho dúvida de que essas mudanças são irreversíveis e vem mais por ai.”